Dizer sempre "sim" para os outros é dizer sempre "não" para si mesma, concordam os especialistas. É afirmar que você não existe, que suas vontades não importam e que apenas o outro é merecedor. E são grandes as chances de alguém com este perfil ocupar o lugar de submissa numa relação amorosa fadada ao fracasso.
"Colocar sempre o companheiro em primeiro plano por temer perdê-lo pode gerar conflitos e atrapalhar o relacionamento", afirma a psicoterapeuta analítica Sheila da Silva Cruz, da Clínica e SPA Harmonya, do Rio de Janeiro. Não se destacar no ambiente profissional é outra consequência. "No trabalho, a pessoa dá espaço para o outro aparecer. Seus feitos acabam tão escondidos que o chefe nunca vê e, é claro, a promoção nunca chega, por mais que você sinta se esforçar e dar o máximo de si", explica a psicoterapeuta Maura de Albanesi, diretora do Instituto de Psicologia Avançada de São Paulo.
A sensação de fracasso é mais um resultado inconveniente. "Quem tem o hábito de colocar as necessidades dos outros acima das suas tende à frustração", alerta a coach e psicóloga Heloísa Yoshida, diretora da Sistêmica Desenvolvimento de Pessoas, Competências e Carreiras, do Rio de Janeiro.
Em busca das origens
Desde pequenos aprendemos a fazer a vontade dos outros e não a nossa, para não desagradar ou parecer egoísta. "Idealizamos que uma pessoa boa e digna de amor é aquela que esquece de si e faz de tudo para agradar", explica Maura de Albanesi. Por isso, a repetição dessa atitude pela vida afora é comum.
"Crianças que cresceram em ambiente autoritário e agressivo, onde não podiam manifestar seus desejos, podem se tornar adultos inseguros e passivos", exemplifica Sheila da Silva Cruz. Heloísa acrescenta: "A casa é onde adquirimos comportamentos, crenças, valores e padrões de interação e comunicação. Passamos a interpretar o 'sim' como prova de carinho e amor, e o 'não' como falta de disponibilidade e de amizade. Deste modo, passamos a concordar esperando receber o mesmo dos outros".
Passividade x agressividade
Além de abafar a própria vontade e sentir-se fracassada, não impor limites acaba abrindo espaço para ataques de fúria. Como aconteceu com a secretária Adriana Oliveira, de 35 anos. "Tenho uma amiga de infância que vivia me pedindo favores. Muitos deles prejudicavam meus planos, mas nunca conseguia dizer 'não' para ela. Até a vez em que me pediu para atravessar a cidade e pegar uma roupa que havia esquecido na casa da irmã – justo no meu dia de folga! Gritei, chamei-a de folgada, disse que me explorava e não dava nada em troca. Depois do desabafo, me senti péssima", recorda.
Respostas como a de Adriana acontecem com certa frequência. "Como somos treinados a dizer 'sim', se discordamos podemos acabar explodindo. E nos sentimos culpados por essa reação", comenta Marco Antonio de Tommaso, psicólogo e psicoterapeuta de São Paulo. Segundo ele, existem três tipos de comunicação: a omissa, a agressiva e a assertiva. As duas primeiras demonstram insegurança, a terceira nem sempre é cômoda. Mas é a melhor, e pode ser treinada para nosso bem-estar.
Mais amor-próprio
Quando aprendemos a nos respeitar mais, também somos respeitados. "Esse comportamento nem sempre gera unanimidade, mas traz auto-confiança", comenta o psicoterapeuta.
Para conseguir isso, da próxima vez em que alguém pedir algo que você não concorda ou não está disposta a fazer, seja clara na sua posição. E mantenha a calma. No lugar de explodir, respire fundo e conte até dez. "Diga o que incomoda sem ofender o outro, mostre que o problema está no comportamento, não na pessoa. Aos poucos você irá entender e praticar atitudes que não trazem mal-estar, mas, ao contrário, ajudam você a se posicionar", ensina Tommaso, afirmando que a ansiedade também diminui com essa nova atitude. "Não é sendo boazinha que você vai ser aceita, mas deixará de ser reprimida", complementa.
A arte de negar
Para sentir-se bem consigo mesma e melhorar seus relacionamentos, comece a treinar com situações de baixo risco e que não gerem sensação de culpa. Por exemplo: quando um dos zilhões de vendedores no trânsito chegar, simplesmente diga "não, obrigada!".
Mas é importante ter jogo de cintura, pois nem tudo pode ser dito, principalmente no ambiente profissional. “Neste caso não é uma submissão sem coragem, mas uma questão de estratégia", avisa Marco Antonio De Tommaso.
Aqui vão mais estratégias para colocar em prática:
- Pense em como se sente toda vez que diz "sim" quando gostaria de dizer "não". O auto-conhecimento é o primeiro passo para se respeitar mais.
- Antes de responder, perceba o que seu corpo diz. "Se você sente uma sensação agradável, a resposta é sim. Entretanto, se surgir uma sensação ruim, um leve aperto no peito, é não", recomenda Maura de Albanesi.
- Da próxima vez que alguém lhe pedir algo, analise suas emoções. "Que sentimentos tomam conta do seu ser: alegria, tristeza, raiva, amor, satisfação? Veja o que é melhor para você. Caso não consiga administrar a situação, peça um tempo e diga que vai pensar", sugere Heloísa Yoshida.
- Entenda que o "não" faz parte da vida. "Você precisa valorizar seus próprios desejos e não se prejudicar em função dos outros. Receber um 'não' ou passá-lo adiante mostra que todos devemos compreender as necessidades e escolhas das outras pessoas", recomenda Sheila da Silva Cruz.
- Para começar a mudar de comportamento, o melhor é sempre dizer "não". "Explique para o outro as implicações do 'sim' para você e para o seu interlocutor. Depois do primeiro 'não', veja o comportamento do outro e verá como sobreviverão ao seu primeiro 'não' consciente e adulto. Analise seus sentimentos após a negativa. E avalie o seu nível de satisfação, numa escala de zero a dez, após o momento", ensina a diretora do Sistêmica.
- Se não conseguir modificar sua atitude, procure ajuda. "O aprendizado é muito individual. Se a pessoa tem um problema psicológico de fundo e não consegue se posicionar, deve ser tratada por um especialista", indica Marco Antonio De Tommaso.